segunda-feira, 3 de março de 2014

RITINHA PARTEIRA


Lá pelos idos de 1980, no alto do Jeremias¹, Rua São Cosme, morava Dona Ritinha, viúva. Mãe de Genaro e Madalena. Ritinha podia ser considerada também, mãe de inúmeros filhos. Ela era parteira, daquelas tradicionais, com apurado olho clínico e vasta experiência em trazer à luz, a qualquer hora que fossem requisitados seus serviços.

Madalena teve dois filhos, De Assis e Edjane. O primeiro deu para ladrão e assaltante, cujas recorrências eram conhecidas pelo Comissário de Polícia do Bairro, Sargento Joca; Já Edjane, desencaminhou-se com um velho enxerido, torneiro mecânico daquelas oficinas perto do Quartel do Exército, que lhe pagava algumas moedas para apalpa-la nas partes íntimas. Depois, passou a ganhar algum dinheiro a mais como rapariga. 

Tanto Madalena, enfermeira, quanto Edjane, sua filha e neta de Dona Ritinha, foram morar definitivamente no Rio de Janeiro, deixando para trás, De Assis, preso da Cadeia de Monte Santo².

Dona Ritinha, já com cabelos brancos, entrou para lei dos crentes. Podia-se encontrá-la na igrejinha da Assembleia de Deus, distante apenas três casas de onde morava.

Sempre que saia de casa era comum transeuntes de todas as cores, aqui e acolá, cumprimentarem-na com a expressão: "Benção, mãe!"

Eram os "filhos e filhas" de Dona Ritinha. 

Quando em altas horas da madrugada um moleque trazia o recado de urgência (não tinha celular, nem telefone público, daqueles azuis da Telpa, com fichinhas cinzas) em relação à Dona Ritinha era sempre caso de mulher prenha³ em vias de parir4. Ao que, de presto, era atendido. 

Ao chegar, com dificuldades pelo péssimo estado das ruas esburacadas e lamacentas do Jeremias (à época), com pouca ou nenhuma iluminação à noite, passava a examinar a barriguda aflita. "-Fique calma, mulher! Esse menino só vai nascer amanhã pela tardinha!" 

Tal como Dona Ritinha previra, acontecia! E logo era trazido ao mundo dos viventes mais um ser inocente para ser moldado pelo meio que o envolvia.

Dona Ritinha morreu já bastante velha e cansada de seus dias, numa casa onde morava com seu filho Genaro, na Rua Isabel Cristina Barbosa Dias, Conjunto Promorar, Bairro do Jeremias. Quanto aos serviços de parteiras, nessa mesma localidade, as gestantes, nas necessidades urgentes da gravidez, apelam logo para o SAMU e Maternidade Dr. Elpídio de Almeida.

Sobre: De acordo com o DATASUS, no Brasil são realizados, em média, 41 mil partos domiciliares por parteiras tradicionais, principalmente nas Regiões Norte e Nordeste. Elas estão desaparecendo aos poucos, sem sucessoras, mas ainda são bastante ativas nas áreas mais remotas e inacessíveis.   


João B Nunes
Psicólogo e Acadêmico do Curso de Direito

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¹ Bairro do Jeremias, Zona Norte da cidade de Campina Grande, Estado da Paraíba. Bairro periférico, com histórico de vulnerabilidade social. O terceiro bairro mais antigo da cidade, originado a partir da ocupação de terrenos (década de 1920, mais ou menos) de um sítio pertencente ao Sr. Jeremias, que morava no principal acesso, à época, Rua XV de Novembro. Todos os domingos, pela manhã, no final de cada mês, a viúva de Seu Jeremias, passava pelas casas cobrando o "foro", um tipo de imposto do tempo Imperial que os herdeiros de terras praticavam em relação aos ocupantes;
² Bairro do Monte Santo, Zona Norte, limite com o Jeremias;
³ Mulher prenhe ou prenha era expressão de uso corrente em muitos dos interiores nordestinos para dizer que tal mulher estava grávida;
4 Parir: Dar à luz/parturiente.

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